Este é um daqueles casos em que se aplica a expressão de que há muito mais a uni-las do que a separá-las. O Norte de Portugal e a Galiza são duas regiões vizinhas, que têm tanto em comum que a vida na raia é feita sem fronteiras, sem deixar que uma linha no mapa interfira no quotidiano. Os pontos comuns são muitos, dos rios e serras partilhados à história que se cruza, das tradições culturais à semelhança linguística, do orgulho na sua identidade aos laços espirituais.
A cooperação entre as duas regiões não é de hoje. De acordo com a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte (CCDR-N), “a aproximação entre Portugal e Espanha foi formalmente iniciada em novembro de 1977, com a assinatura do Tratado de Amizade e Cooperação entre os dois países em Madrid, posteriormente aprovado pela Assembleia da República a 25 de abril de 1978”. Com a adesão de ambos os países à Comunidade Económica Europeia (CEE) os laços de cooperação foram reforçados.
Em 1991, a CCDR-N e a Junta da Galiza constituíram a Comunidade de Trabalho Galiza/Norte de Portugal, “destinada a potenciar os recursos comuns dos territórios”, e que hoje concentra esforços na concretização do Plano de Investimentos Conjuntos da Euro Região Galiza-Norte de Portugal 2021-2027, “um documento que define as prioridades estratégicas para uma euro-região mais competitiva e conectada, mais ecológica e descarbonizada, mais social, integradora e segura e mais coesa em prol da cidadania”.
E o trabalho conjunto de muitas entidades faz-se hoje em várias vertentes e uma delas é o Turismo Transfronteiriço, que tem como base as características comuns das duas regiões. Dois territórios, um destino é a promessa de uma experiência aliciante.
São vários os produtos que se cruzam, como o Caminho de Santiago, que passa por Portugal rumo a Santiago de Compostela; o enoturismo, do qual se destacam os parques naturais do Douro e Arribes del Duero e a casta Alvarinho/Albariño; a Arte Rupestre de Foz Côa e a sua extensão por Espanha, a Zona Arqueológica de Siega Verde; a Eurocidade Chaves – Verin e as suas Grandes Rotas Transfronteiriças; o programa que dinamiza as Fortalezas de Fronteira, que promove “a valorização e a divulgação do vasto conjunto de fortificações existentes em Portugal, em particular na linha de fronteira com Espanha”, como explica o Turismo de Portugal; as Reservas da Biosfera, que incluem a Norte a reserva transfronteiriça Gerês/Xurês e a reserva transfronteiriça Meseta Ibérica, que se situa em Trás-os-Montes e nas províncias de Zamora e Salamanca; e as diversas atividades que se realizam, quer nos parques naturais, nas serras ou nos rios Douro, Minho e Lima, das atividades náuticas e aquáticas às caminhadas ou passeios de bicicletas, por exemplo.
Estas e outras iniciativas garantem a captação de visitantes curiosos e ávidos de explorar dois países com muito em comum e também o desenvolvimento económico das empresas de turismo e animação turística locais. E com esta cooperação, muitos outros produtos poderão surgir, porque há muito do que é genuíno e autêntico para oferecer.
Em agosto de 2024, foi apresentado no Museo do Mar de Galicia, em Vigo, o projeto Clustertur_GNP, que levou à criação do primeiro Cluster Transfronteiriço de Turismo Galiza-Norte de Portugal. Esta ferramenta tem como missão elaborar uma estratégia transfronteiriça nesta área, fazer com que as empresas se conheçam e criem ações comerciais em conjunto, identificar recursos e produtos com potencial para promover a eurorregião, e impulsionar as regiões como um destino turístico sustentável.
Neste projeto – um dos três do Programa de Cooperação Transfronteiriça Interreg Espanha-Portugal (POCTEP) – participam a Entidade Regional do Turismo do Porto e Norte de Portugal (TPNP), a Associação de Turismo do Porto e Norte (ATPN), o Turismo da Galiza e o Agrupamento Europeu de Cooperação Territorial Galiza-Norte de Portugal (AECT), que coordena todo o processo.
“A criação do primeiro Cluster de Turismo de uma Eurorregião vai permitir que os dois territórios se apresentem em conjunto nos mercados, sobretudo nos mercados de longa distância, de forma mais competitiva, promovendo a ideia de dois países e um destino”, referiu Luís Pedro Martins, presidente do Turismo do Porto e Norte de Portugal, durante a apresentação deste Cluster, em agosto do ano passado.
O responsável português adiantou que “a otimização de recursos e o trabalho conjunto das quatro entidades que compõem este consórcio permitirá a estruturação e promoção de produtos turísticos de lazer e de negócios que beneficiarão o setor empresarial do turismo dos dois territórios da Eurorregião”.
De acordo com António Cunha, presidente da CCDR-Norte, o Cluster de Turismo Transfronteiriço vai ajudar “ainda mais” a “melhorar o dinamismo turístico, económico, social e cultural de ambos os lados da fronteira e a promover internacionalmente o produto turístico da Eurorregião GNP e os Caminhos de Santiago em Portugal, que são os que mais crescem em número de peregrinos”.
Xosé Merelles, do Turismo da Galiza, afirmou que esta nova ferramenta vai dar um “papel protagonista” aos recursos comuns, como o Caminho de Santiago e a enogastronomia. O responsável galego recordou que Portugal é o primeiro país emissor de turistas para a Galiza, segundo os dados de 2023, que indicam mais de 624 mil pernoitas, ou seja, 20% do total internacional.
No Caminho de Santiago, uma das rotas espirituais mais reconhecidas internacionalmente, Portugal é o quarto país emissor de peregrinos, ficando atrás dos Estados Unidos, Alemanha e Itália. “O Caminho Português e o Caminho Português pelo Norte são duas das rotas que mais estão a crescer”, afirmou Xosé Merelles, acrescentando que são “a segunda e a terceira rotas com 15% e 20%, respetivamente, do total de peregrinos registados em todas as rotas de peregrinação”. Dados indicam que, em 2024, a partir de Portugal, cerca de 93 mil peregrinos concluíram o trajeto pelo Caminho Central e cerca de 74 mil pelo caminho costeiro.
A iniciativa, cofinanciada pelo POCTEP - o maior programa de cooperação transfronteiriço da União Europeia promove o desenvolvimento ao longo da maior fronteira da União Europeia, conta com uma dotação financeira do FEDER – Fundo Europeu para o Desenvolvimento Regional de 320.622.726 euros, e engloba um total de 36 NUT III, pertencentes a Portugal e a Espanha -, reuniu entidades, especialistas, gestores e decisores para “discutir tópicos críticos como a gestão eficiente dos trilhos, estratégias de marketing inovadoras e a preservação do património cultural e natural que define o Caminho”, explica o Porto Convention Bureau. Desta forma, Portugal e a Galiza estão juntas na promoção do Caminho de Santiago como destino sustentável em novos mercados, em particular o norte-americano, o brasileiro e o canadiano.
Segundo Luís Pedro Martins, presidente do TPNP, a prioridade é “ter uma estratégia conjunta para desenvolver até 2030, assente nos produtos com maior capacidade de internacionalização, com especial destaque para os Caminhos de Santiago, procurando iniciativas que acrescentem valor ao produto”.
Por seu lado, Iván Meléndez Medela, diretor de Competitividade do Turismo de Galiza, lembrou que os caminhos portugueses para Santiago de Compostela têm tido impacto económico, já que o crescente aumento do número de peregrinos tem impulsionado a abertura de albergues, restaurantes e hotéis.
Para Nuno Almeida, diretor do Agrupamento Europeu de Cooperação Territorial Galiza-Norte de Portugal (AECT), este é “um grande património cultural, gastronómico e enoturístico que deve ser dado a conhecer ao mundo”. Também Vítor Devesa, da CCDR-Norte entende que os Caminhos de Santigo são “um emblema das relações entre as duas regiões”.
O Caminho é apenas uma de várias vias de cooperação transfronteiriça e, como este produto, vários outros podem ser trabalhados e promovidos em conjunto pelas duas regiões, aproveitando o potencial dos recursos comuns, em prol do desenvolvimento sustentável do Norte de Portugal e da Galiza.
Sendo possível alinhar vontades políticas, de um lado e do outro da fronteira, abre-se caminho para que os privados possam desenvolver o seu trabalho, sendo certo que experimentar dois países num único programa, vivendo semelhanças e diferenças, tem seguramente interesse para muitos turistas. E se as ligações à Galiza estão mais consolidadas, convém não esquecer que também do lado de Castela e Leão existe um potencial que urge expandir.